Sérgio Veiga fala-nos do seu novo livro: “O Velho e o Mato”

Sérgio Veiga apresentou a sua obra «O Velho e o Mato» no dia 10 de Setembro, no Clube Naval de Maputo

Sérgio, parabéns pelo sucesso do livro. O «Velho e o Mato» é um romance para quem tem África no coração. A primeira vez que vi o título deste livro, fez-me lembrar o «Velho e o Mar»…
«Obrigado. É verdade. Foi dedicado ao Ernest Hemingway. Dediquei este livro não só ao Hemingway mas também ao pai de um amigo meu que tinha a alcunha de Zé pescador. Quando fui a Portugal lançar o primeiro romance, ele telefonou-me e disse-me: «Sérgio, eu tinha um livro que andava comigo para todo o lado, que é uma bíblia para mim, chama-se o Velho e o Mar, porque o meu filho é pescador também. Agora tenho duas bíblias, porque adorei o seu livro e juntei-o a este. Sabe Sérgio, você era a pessoa ideal para escrever o Velho e o Mato, pois você, além de pescador, também é caçador.» Tive muitas peripécias como caçador. Uma delas foi quando um casal de leões em Cabo Delgado matou seis pessoas. Fiz uma equipa e consegui caçar esses leões. Então escrevi o livro baseado nessa história. Tudo o que está aí é baseado em factos verídicos apesar de ser uma história de ficção. O Hemingway marcou-me muito na literatura e como homem. Foi o primeiro livro que eu li na minha vida. Aliás, ele tinha os meus vícios que são o mar e o mato.»

O que nos conta este livro?
«Este livro conta a história de um velho caçador que passa estes momentos na altura da independência de Moçambique. Esse velho vê-se obrigado a sair do mato para a cidade. Durante o período da independência os filhos abandonam-no. Vão procurar outra vida, não querem ficar em Moçambique. Ele fica em Moçambique com a mulher. Mais tarde, por falta de incentivo, a mulher morre. Nessa altura, ele chama os filhos e diz-lhes:«Filhos, a vida de um homem é feita de muitas pequenas vidas, a minha também. Eu, hoje morri como homem casado, e quero anunciar-vos que quero morrer também como vosso pai». Os filhos ficam admirados com aquilo que o pai diz, continua: «Não me levem a mal, mas vocês sabem que eu sou um homem de aventura, não fazia sentido eu ir atrás de vocês nem vocês virem atrás de mim. Eu não sou um homem que quer morrer entre quatro paredes brancas, e acho que vocês também não desejam isso para mim. Por isso voltarei ao mato porque foi lá que eu fui feliz. Quero despedir-me de vocês agora, quero que vocês se recordem de mim como sou, não quero que me vejam envelhecer até a um ponto que me torne irreconhecível.» O velho vai-se embora, fica numa palhota em Cabo Delgado, caça e pesca para sobreviver. Era um homem que gostava de matar animais. No fim da vida, achou que talvez seria altura de morrer para não continuar a tirar vidas para se auto-sustentar. Chega a altura da vida em que ele não quer matar mais nem caçar mais. Nessa altura há um miúdo que o ajuda a passar essa fase, mas um casal de leões acaba por matar a mãe do miúdo. Ele sabe também que a partir desse momento os leões tornam-se comedores de homens, de seres humanos, e nunca mais param. O miúdo, sabendo que ele era caçador, pede-lhe insistentemente que mate os leões que lhe mataram a mãe. A história é a última aventura dele a caçar o leão

Além de escritor, o Sérgio é também pintor?
«Considero-me um artista moçambicano. Não me auto-intitulo escritor. Sou um contador de histórias. Vivi muitas histórias. Tenho uma vida cheia de aventuras por isso é fácil para mim contar uma história.»

Quando é que na sua opinião nasceu a literatura moçambicana?
«Penso que foi logo a seguir à independência. No período que se seguiu nasceram escritores fabulosos, porque a partir desse momento nós tivemos uma identidade própria. Nasceu com a independência por exemplo o Eduardo White. O Mia Couto, por exemplo. É um escritor que se cruza com as minhas histórias, porque vivemos essas histórias juntos.»

Sim? Conte-nos mais.
«Claro. A história do Mia Couto é engraçada. Quando estava a caçar os leões, ele estava lá a fazer um trabalho como biólogo. Um dia liguei-lhe e disse-lhe: «Olha Mia Couto, hoje talvez consiga matar o leão porque apanhei uma vitima dele. Por isso hoje vou-lhe fazer uma espera e vou matá-lo.» Ele disse-me para ter cuidado. Eu respondi-lhe que o melhor era ele ligar ao leão para ter ele cuidado, porque quem o ia caçar era eu. O Mia Couto escreveu a «Confissão da Leoa» baseado na minha historia.»

O Mia Couto é um escritor que o inspira?
«Sim. É um amigo que admiro muito. Pintei recentemente um quadro a que chamei confissão da leoa. Inspirei-me no livro dele.»

A literatura moçambicana tem para si características próprias que a distingue das restantes congéneres lusófonas?
«Eu penso que sim. Talvez se misture com outras literaturas. São ramagens que surgiram de uma árvore que é Portugal e começam a ter uma expressão muito própria. Temos uma área ainda virgem para explorar. »

Como parte da história moçambicana, como escritor e artista de referência, quais acha que são os desafios que Moçambique enfrenta como País?

«É uma pergunta complexa. Penso que o primeiro objectivo está conseguido, que é termos ganho a Paz novamente. E depois erradicar a pobreza absoluta. Penso que serão esses os maiores desafios.»

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